Saúde e Bem-Estar

Telinha mágica

Érika Busani
05/08/2007 20:27
Assistir a um desenho animado vai muito além do entretenimento. “É um aquecimento para o jogo simbólico, que são encenações da vida e para a vida da criança. Ajudam-na a ser, a conviver com seus pares, a expressar seus desejos, a se inserir nesse mundo cheio de contradições. Os desenhos animados não concorrem com as brincadeiras infantis, mas sim, estruturam formas para esse brincar”, destaca a psicóloga Danielle R. Barriquello, assessora psicopedagógica do Colégio Santa Maria.
Além disso, assistir aos desenhos com os filhos pode ser uma ótima oportunidade de aproximação para os pais. “Quando a criança percebe que seu repertório televisivo interessa o mundo adulto, gera-se uma ferramenta de aproximação de mundos, de diálogos: não se liga a tevê para parar de falar, mas se começam muitas conversas a partir do que se assiste”, diz a psicóloga.
Pontos a favor, sem esquecer que a criança não deve passar o dia na frente da tevê. E que o adulto pode aproveitar o que passa na telinha para ajudar a criança a pensar, a questionar valores e até perceber que os sentimentos humanos – dos mais nobres aos nem tanto assim – são universais.
Convidamos três especialistas para analisar três desenhos e um programa infantil aos quais nossos filhos assistem. Não há consenso entre elas e a afirmação de Danielle dá uma pista dos motivos das crianças ao escolher determinado programa: “Não basta indicar, a criança precisa escolher e identificar uma razão maior para assisti-lo e isso depende de fatores sociais, políticos, cognitivos, afetivos, ideológicos, culturais revelados por sua família e sua comunidade.”
Além de Danielle, ouvimos a psicóloga e psicanalista Claudia Serathiuk, proprietária da livraria infanto-juvenil Bisbilhoteca, e a educadora-brinquedista Maria Cristina Pires, coordenadora do Clube da Brincadeira, brinquedoteca da Escola Anjo da Guarda.
Tom & Jerry
Claudia
“Ambos podem ser ruins ou bons, mostrando para a criança que ela pode ser o que é, permite que ela se veja como humana, que uma hora está triste, outra alegre, outra com raiva. A relação do gato e do rato que não se largam parece de irmãos: brigam o tempo todo, mas também brincam. É bacana mostrar para a criança que isso é normal.”
Danielle
“Algumas perguntas permanecem ao longo da infância! Por que esse gato e esse rato brigam tanto? Quantas birras, quantas disputas, quantas agressões que em segundos eram revitalizadas e parecia que nada tinha acontecido, nenhum sinal da violência física… Brigam para ver quem é o mais forte, o mais poderoso, quem leva a vantagem maior, quem vai ficar com uma fêmea? Ou apenas mostra um gato que quer pegar um rato? Em um dos episódios Jerry sai de casa e diz adeus ao Tom, mas não consegue viver longe do conflito permanente. Conflito, talvez, com eles mesmos!”
Maria Cristina
“Desenho atemporal. A maioria dos pais deve tê-lo assistido quando criança. Com uma seqüência mirabolante de incidentes, gato e rato brigam todo o tempo, se batem e se machucam. Geralmente o gato se dá muito mal, o que provoca pena em quem assiste. O gato é mal educado, não cumpre as regras da casa e planeja seus ataques. O rato, por seu lado, é mais frio ainda na tentativa de salvar a pele, é vingativo e se diverte quando o gato se machuca. Tem pouco a acrescentar em termos educativos, mas as crianças (e muitos adultos) ainda adoram.”
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As Meninas Superpoderosas
Claudia
“É ruim. A parte gráfica é muito malfeita, não sei se é intencional. De Florzinha, Docinho e Lindinha elas não têm nada. Tem a história do bem e do mal, mas elas usam a violência para resolver os conflitos: é uma herança da guerra fria, o mundo já não é isso. Não é um desenho inteligente, não sai dessa fórmula repetida de lutar para acabar com o mal. Enfatiza o masculino nas meninas, numa época em que estamos perdidos quanto ao que é próprio do masculino e do feminino.”
Danielle
“A força feminina aparece nesse desenho e a ingenuidade e a solidão do professor, sempre presentes, colocam as meninas em desafios constantes, ora para protegê-lo, ora para proteger a cidade onde moram. Cada menina com o seu poder quer conquistar um espaço e um lugar privilegiado no olhar do seu criador. Ao mesmo tempo em que encorajam o professor a encontrar um amor, sempre o desenrolar da história indica que é melhor e mais seguro ficar só com elas. As crianças também vivem relações afetivas que envolvem disputas pelo amor de seus pais, professores, preferência de amigos… Em alguns episódios, passar a ser uma criança humana, ‘sem poderes’, é o que assusta essas garotinhas! Ter por perto um adulto que pergunte sobre essa afirmação desencorajadora de ser gente pode promover um jeito diferente de entender o que é ter superpoderes.”
Maria Cristina
“Qual o charme desse desenho? Meninas geradas em laboratório, com poderes especiais, mas que, no fundo, são só menininhas. Elas fazem manha, brigam entre si, implicam umas com as outras, freqüentam a escola, têm amigos imaginários… Enfim, tudo que parece muito familiar às histórias das crianças que as assistem. Mas, além disso, são corajosas, lutam com monstros e vilões (todos com aparência de monstros criados pela imaginação de crianças) e vencem! Fazendo um paralelo com nossa vida adulta, também não somos pessoas comuns, com nossos erros e acertos, lutando contra os vilões e monstros que a vida vai nos apresentando? Apenas um comentário contra: um dos inimigos das meninas tem a aparência de um diabo e a voz de um comediante imitando um homossexual. Instiga o preconceito, uma pena!”
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Hi-5 – Discovery Kids
Claudia
“É bem instrutivo e informativo. Meus filhos, de 4 e 5 anos, adoram, é bem para essa faixa de idade. Dá para confiar no que passa no Discovery, eles têm preocupação educativa, de não-violência.”
Danielle
“Baseado numa rotina e em repetições, tudo parece perfeito. Mas a Educação deve estar atenta e investigar as imprecisões, as surpresas, os desafios que o trabalho com as crianças pequenas revela. Quando nos dirigimos ao público infantil deve haver respeito à lógica da criança, experiências que a ajudem em suas construções intelectuais, afetivas e sociais, sem subestimar suas competências. Esse dinamismo educativo não combina com o princípio que coloca a repetição em evidência. Quando a criança só assiste o que é previsível, mais tarde pode ficar esperando o modelo para agir ou achar que há uma resposta certa, única e permanente para resolver os mais diferentes problemas.”
Maria Cristina
“No estilo dos ultrapassados programas da Xuxa: com música, adolescentes dançarinos, crianças na platéia e a previsível avalanche de produtos para serem comercializados com a logo e a roupagem dos apresentadores (cinco jovens, naquela conhecida fórmula de representação das diferentes raças). Se propõe a ser educativo, mas o que realmente oferece é entretenimento comercial.”
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Bob Esponja
Claudia
“Acho chato e bobo. É totalmente nonsense. Mas fala da amizade, de seu valor e importância. Eu não recomendaria para as crianças por gosto pessoal, não por ser ruim.”
Danielle
“Esse personagem inspira atitudes éticas. Mas o que pode ser ético e solidário nesse desenho associa-se a uma narrativa que coloca o Bob Esponja como ingênuo, inseguro, bobo… São comuns nos episódios diálogos que envolvem xingamentos, falta de paciência, intolerância com o tempo de compreensão do outro. Os conflitos são de simples resolução, mas o perfil dos personagens e a falta de um diálogo conciliador os impedem de resolverem os desafios. O perfil sensível e emotivo do Bob é colocado em evidência, juntamente com diálogos agressivos e que o colocam em desvantagem intelectual, física e social.”
Maria Cristina
“O que tem este desenho que agrada crianças de idades tão diversas? Tem uma esponja falante e risonha (o que é aquela risada do Bob Esponja?) que, apesar de aparentar ser um adulto, pois mora sozinho e trabalha, tem a ingenuidade e a pureza de uma criança de 4 anos. Bob Esponja tem um grande amigo, Patrick – uma estrela do mar com QI de… estrela do mar –, um patrão explorador, às vezes bom, às vezes mau e um vizinho mal humorado, que está sempre planejando alguma contra a alegria irritante do vizinho amarelo. O desenho é leve, divertido. Bob não é um herói, é só um menino: levado, por vezes irresponsável, mas é terno, fiel aos amigos e, sobretudo, feliz. Entretenimento garantido com mensagens positivas para os nossos filhotes.”
erikab@gazetadopovo.com.br